Assessora de Políticas Sociais da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), Maria do Socorro é a primeira mulher e usuária do Sistema Único de Saúde a ocupar a presidência do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
Abrasco: Desde o início das manifestações de Junho, as pautas e temas relacionados à saúde ganharam visibilidade como nunca antes no Brasil. O debate saiu da fila do SUS e agora abarca outras questões. Como a senhora percebe essa ampliação no debate social?
Maria do Socorro: As mobilizações de junho mostraram que o efeito do SUS na vida do povo brasileiro, após 25 anos de sua implementação, é menor do que o esperado. Ao clamarem por uma saúde padrão FIFA mostram que - apesar da conquista legal da saúde como dever do Estado e direito de todos cidadãos - , vivemos no dia a dia muitas dificuldades para garantir esse direito. A conjuntura favoreceu esse destaque da saúde na agenda da sociedade, do governo, do Congresso Nacional e da mídia, ainda que a partir de temas emergenciais, como o Programa Mais Médico e Mais Saúde; polêmicos e complexos, como a Lei do Ato Médico; alguns de cunho conservador, como a internação compulsória, a cura gay e o Estatuto do Nascituro; e outros importantes para o resgate da credibilidade e legitimidade do SUS perante a sociedade, como o Serviço Civil Obrigatório, a Lei de Responsabilidade Sanitária e a Lei de Iniciativa Popular por 10% da Receita Corrente Bruta da União. Contudo, a velha saga por que passa diariamente a população continua no campo da assistência médica, consagrada pelas filas presenciais e virtuais nos pronto-socorros, ambulatórios e hospitais, mostrando como ainda é baixa capacidade da gestão pública em responder de forma resolutiva às demandas de saúde da população.
Abrasco - Como a sociedade civil e os poderes republicanos podem e devem enfrentar os gargalos da saúde em nosso país?
Maria do Socorro: As ruas mostraram que a saúde deve ser tratada pelo Estado e pela sociedade brasileira como prioridade nacional, e que sua solução passa pelo resgate da credibilidade e legitimidade do SUS, pela afirmação da saúde como política social importante para o desenvolvimento do país e para o pacto de democracia e cidadania brasileira. Superar as antigas heranças, os limites impostos pela política econômica do país, e apontar soluções definitivas para consolidar o SUS exige determinação política dos poderes republicanos nos três níveis, em especial do governo federal e do Congresso Nacional. Significa encontrar solução para um financiamento adequado, formulação e implementação de plano de cargos, carreiras e salários para os profissionais de saúde, e uma qualificação para que a gestão pública seja eficiente, transparente e democrática de modo a combater a corrupção e todas formas de privatização. Mas uma condição para isso é certa: a permanente mobilização e a pressão popular.
Abrasco - Qual é a importância da Academia (entendendo-a pela comunidade de professores, pesquisadores e estudantes) e das suas entidades científicas, como a Abrasco, debaterem os grandes temas sociedada brasileira em seus encontros, como é o caso do VI Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde?
Maria do Socorro: A produção do conhecimento no setor saúde por entidades como a Abrasco, CEBES, Sociedade Brasileira de Bioética, Rede Unida, Fiocruz, dentre tantas outras, tem contribuído para fundamentar e qualificar a luta política em defesa do SUS e para o avanço do desenvolvimento científico e tecnológico do setor. Isso é possível porque essas entidades científicas têm assumido postura crítica, autônoma e propositiva frente às medidas governamentais. Sua contribuição, contudo, ganha maior envergadura a medida que rompem os muros do academicismo e ganham capilaridade junto às organizações de trabalhadores da saúde, movimentos sociais, setores populares. É necessário articular esses temas e dele produzir ações no interior das esferas do controle social da saúde, para assim ajudar a superar as contradições e as tensões da luta política no dia-a-dia, fazendo valer o interesse público e a satisfação das necessidades de saúde do povo brasileiro.
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