28/06/2013
- Saúde
Repórter da Agência Brasil
Blog direcionado à Saúde de Mulheres Lésbicas e Bi-Sexuais, com divulgação de pesquisas e campanhas de prevenção de doenças que têm maior incidência no público feminino, em especial nas mulheres que fazem sexo com mulheres. ESTE BLOG É UM ARQUIVO HISTÓRICO DA LIGA BRASILEIRA DE LÉSBICAS.
Na calada da noite de terça-feira (18/6), o Senado Federal antecipou a ordem do dia e aplicou um duro golpe nos profissionais de saúde com a aprovação do Projeto de Lei Suplementar (PLS) nº 268/2002, que dispõe sobre o exercício da Medicina, conhecido como Ato Médico. O PLS foi colocado na pauta pelo presidente da Casa, Renan Calheiros, e pelo senador Romero Jucá, fruto de mais um acordo fechado com apoio da ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann.
O orgulho da classe médica ao comemorar a aprovação do PLS dentro do Plenário do Senado fere não somente a Psicologia, mas todo o paradigma de saúde que o Brasil conquistou na construção do Sistema Único de Saúde (SUS), fortalecendo a ideia de que a saúde é uma construção multiprofissional, que envolve várias atividades.
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) se manifesta, de maneira ainda mais incisiva, por meio da campanha lançada hoje, para que a presidente Dilma Rousseff vete o artigo que atribui ao médico a função do diagnóstico nosológico e da prescrição terapêutica, áreas nas quais não possui habilitação. A autarquia vai dispor de toda sua capacidade de articulação com o governo, entidades ligadas ao tema e sociedade civil para que esse projeto não siga adiante: Campanha Ato Médico #VetaDilma!
Desde o início de sua tramitação, o CFP e diversas categorias da saúde pública no Brasil se mobilizaram pela não aprovação da matéria, que interfere no exercício de outras profissões da saúde. As ações mais recentes incluem um pedido, realizado em 13 de junho pelo Fórum dos Conselhos das Profissões da Área da Saúde (FCPAS), em reunião com o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, sobre a reforma do artigo 4º – o qual estabelece que as competências privativas da atividade médica sejam limitadas à sua área de atuação, a fim de evitar a insegurança jurídica para as demais atividades de saúde.
É importante frisar que não há posicionamento contrário à regulamentação da Medicina. Os médicos podem e devem trabalhar para que a sociedade reconheça as competências específicas destes profissionais. No entanto, isto não pode ser feito em detrimento de qualquer outra profissão na área da saúde.
O PL pretende tornar privativo da classe médica todos os procedimentos de diagnóstico sobre doenças, indicação de tratamento e a realização de procedimentos invasivos e, ainda, a possibilidade de atestar as condições de saúde, desconsiderando a trajetória das demais profissões que constituem o cenário da saúde pública na ótica do SUS.
Igualmente, torna privativa do médico a chefia de serviços, indicando uma hierarquização que não corresponde aos princípios do trabalho multiprofissional que precisa ser construído na saúde. O PL coloca em evidência o interesse corporativista por reserva de mercado. Haja vista que teve origem na Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.627/2001, cujo texto elucida o tema.
O Ato Médico, além de prejudicar a autonomia de cada profissão, impede a organização de especialidades multiprofissionais em saúde. Milhões de usuários sabem os benefícios do SUS e reconhecem o valor de todos os profissionais no cotidiano das unidades de saúde. Hoje, uma série de políticas públicas de saúde, como Saúde Mental, Atenção Básica e outras oferecidas à população, contam com profissionais de várias áreas trabalhando de forma integrada e articulada. As equipes multidisciplinares definem em conjunto o diagnóstico e o tratamento, somando suas diversas visões de saúde e de doença para chegar à melhor intervenção. Os usuários não podem ser penalizados desta forma, perdendo esta possibilidade.
Desde que o Projeto de Lei do Ato Médico foi apresentado pela primeira vez no Senado Federal, em 2002, o CFP luta e se mobiliza para que o dispositivo não seja aprovado da forma como está, uma vez que restringe a atuação dos outros profissionais da área e cria uma hierarquização em detrimento da multidisciplinaridade consagrada pelo SUS.
Ao longo deste período, em conjunto com os Conselhos Regionais e outros conselhos da saúde, participou de inúmeras manifestações. Esse cenário constitui uma atuação histórica, destacada na defesa de temas de interesse coletivo e não corporativistas na área da saúde, como é o caso do PL do Ato Médico.
O CFP sempre esteve à frente das manifestações contra a aprovação desse Projeto de Lei Suplementar, e permanecerá. Já reuniu milhares de pessoas em atos realizados, em conjunto com outras profissões da saúde, em diversas cidades e capitais brasileiras, promovidos constantemente desde 2004. As entidades da Psicologia continuarão em vigília e mobilizado os diversos atores para que o PL do Ato Médico seja vetado pela líder do Poder Executivo.
Vamos apelar para que a sansão da presidente Dilma Rousseff priorize o consenso das profissões da área da saúde, garantindo a regulamentação da medicina, a autonomia das demais profissões de saúde e, principalmente, a existência do SUS.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA
Dr. Alexandre Padilha
Ministério da Saúde
Nós, entidades da sociedade civil, integrantes do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher-CNDM, vimos manifestar nossa indignação diante das alterações realizadas pelo Ministério da Saúde, no Capitulo III do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres - PNPM 2013/2015– Saúde Integral das Mulheres e Direitos Sexuais e Reprodutivos. Essa medida autoritária modifica os conteúdos aprovados na Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres de 2011 e incorporados na redação do plano em fevereiro de 2013 e são o resultado de um amplo processo de mobilização social, que contou com a participação de grupos de mulheres de diversos segmentos e de sociedades médicas que trabalham pelos direitos das mulheres na área da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos, processo que contou com a participação de mais de 200 mil pessoas em todo o Brasil.
O Brasil é signatário da Conferência Internacional da ONU sobre População e Desenvolvimento, realizada no Cairo, em 1994 e da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Beiging, em 1995, que garantem os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres como direitos humanos. Nessas Conferências, os governos de vários países, entre eles o Brasil, assumiram o compromisso de pautar a formulação e a implementação de políticas públicas pelo respeito e garantia aos direitos humanos, entre os quais se incluem os direitos sexuais e os direitos reprodutivos.
Além de difícil comprensão é inaceitável que um governo popular e comprometido com a agenda das mulheres venha alterar com ameaças de retrocesso o PNPM, como por exemplo substituir o termo abortamento (Atenção Humanizada ao Abortamento - Norma Técnica do MS de 2005, e 2ª Edição em 2011), por intercorrências obstétricas, entre outros absurdos, como está no PNPM "reformulado" à luz de velas pelo Ministério da Saúde.
Os países do MERCOSUL alcançaram um significativo avanço na construção do consenso sobre a saúde sexual e reprodutiva através da aprovação do Acordo RMSM-EA N º 20/04 e 21/04. Esse documento, consiste numa Declaração conjunta dos EEPP e EEAA que foi elevado à Trigésima sessão da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), ocorrida em San Juan de Porto Rico no dia 20 de julho de 2004. Nessa ocasião o MERCOSUL apresentou, dentre outros, os seguintes pontos de convergência que até este momento tem sido respeitados:
-Reconhecer plenamente os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas sem discriminação de nenhum tipo;
-Avançar na implementação de políticas integrais de saúde sexual e reprodutiva de forma coordenada e revisar a legislação vigente dos nossos países;
-Redobrar os esforços para reduzir a morbidade e mortalidade materna, levando em consideração todas as causas, garantindo o acesso a serviços de planejamento reprodutivo, atenção obstétrica de qualidade e atenção humanizada das consequências do aborto inseguro e o acesso aos serviços de aborto legal, quando a legislação assim o permitir.
As mudanças realizadas no PNPM por este ministério, representam um grave retrocesso em políticas e normas já assumidas neste órgão e ferem os princípios de liberdade e de direitos. Consideramos a necessidade de revisão do texto e a inclusão dos conteúdos originais pelo Ministério da Saúde e lamentamos a ausência de sua representação na reunião do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher realizada nos dias 4 e 5 de junho de 2013, onde esta questão foi debatida.
Atenciosamente
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
Articulação de Mulheres Brasileiras;
Articulação Nacional de Mulheres Negras;
Liga Brasileira de Lésbicas;
Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos;
União brasileira de Mulheres;
Indignadas/os com os recentes episódios - que resultaram na suspensão e posterior "relançamento" de material de comunicação alusivo ao Dia Internacional das Prostitutas -, as/os integrantes do Grupo de Trabalho em Gênero e Saúde da ABRASCO (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) vêm a público manifestar seu total apoio à equipe do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, responsável pela elaboração deste material, que foi injustamente censurada por produzir nada mais que uma genuína mensagem de prevenção.
No texto que informa o "relançamento" do material (agora em formato de Campanha), o secretário de Vigilância em Saúde, Jarbas Barbosa argumenta que "É fundamental que grupos vulneráveis tenham conhecimento dos locais de distribuição da camisinha. A camisinha feminina permite que a mulher decida sobre o uso do preservativo, de modo que essa escolha não seja apenas do homem. É uma estratégia que faz parte da política brasileira de ampliar as opções de proteção às doenças sexualmente transmissíveis".
Porém, é importante lembrar que o alardeado internacionalmente (e atualmente questionado) sucesso da "Resposta Brasileira à Epidemia" não está baseado exclusivamente na promoção do acesso ao uso de preservativos e da oferta de medicamentos para quem vive com HIV. Considerando o problema em sua complexidade, ao longo das últimas décadas, a sociedade e o governo brasileiro tem investido esforços em tratar o problema pela raiz e não pelo sintoma.
Nesta perspectiva, mensagens do tipo "Cidadã, use camisinha!" assumem sentido bem mais complexo. Para populações mais vulneráveis, o primeiro passo é a afirmação da cidadania, afinal, séculos de tradição e práticas sexistas, machistas, homofóbicas e racistas produziram em nosso país, estigmas e consequências indeléveis à autoestima e autoaceitação de LGBT, negros/as, pobres, mulheres e, particularmente, as prostitutas.
Em outras palavras, qualquer medida de prevenção em saúde, ao tratar de populações em situação de maior vulnerabilidade, deve considerar, antes de qualquer coisa, as condições e possibilidades de existência para essas pessoas, ou seja, as diversas formas a partir das quais essas pessoas foram impedidas de existir em sua plenitude, que as impediram de realizar seu "projeto de felicidade".
José Ricardo Ayres (2007), Doutor em Medicina e Professor Titular em Medicina Preventiva da USP, define "projeto de felicidade" como "totalidade compreensiva na qual adquirem sentido concreto as demandas postas aos profissionais e serviços de saúde pelos destinatáriosde suas ações" (p. 54).
Assim, é importante que fique claro que o material censurado, como informa o próprio site do Ministério da Saúde, foi produzido "a partir de uma Oficina de Comunicação em Saúde para Profissionais do Sexo, realizada entre os dias 11 e 14 de março de 2013, em João Pessoa (PB). Participaram da Oficina representantes de organizações não-governamentais, associações e movimentos sociais que atuam junto a profissionais do sexo de todas as regiões do país, apoiando o enfrentamento às DST, aids e hepatites virais."
Ou seja, as mensagens foram produzidas pelas próprias destinatárias das ações de promoção à saúde, inclusive a supostamente polêmica afirmação "Eu sou feliz, sendo prostituta!".
Como bem referiu Fernanda Benvenutty, enfermeira e militante transexual brasileira, em evento sobre "gestão de riscos", promovido recentemente pelo Departamento de Aids do Ministério da Saúde (entre 3 e 4 de junho): ao dizer que são felizes, sendo prostitutas, o que essas mulheres estão afirmando é que, APESAR de uma cultura machista, APESAR de uma sociedade que não as respeita, que as discrimina e que insiste em invisibilizá-las, apesar de um governo que não respeita seu verbo e suas práticas, APESAR DE TUDO ela é feliz! E esse direito humano à felicidade não lhes pode ser negado.
E como podemos, então, lidar com esse "projeto de felicidade"? Ayres (2004) defende "que não devemos lidar com os projetos de felicidade de indivíduos e populações como se fossem alguma espécie de 'planejamento'. Antes que uma 'planilha', onde são fixados metas, recursos e estratégias, a idéia que mais se aproxima à do projeto de felicidade é o de uma obra de arte - uma pintura, um poema, uma escultura - pela qual se expresse a vida e o aspecto de saúde em questão" (...) Além disso, na expressão do projeto de felicidade, como na produção do poema, da pintura, da escultura, misturam-se razão e afetos, luz e sombra, o explícito e o suposto, o retratado e o não-retratado, o retratável e o não-retratável. O projeto de felicidade é, no modo como se expressa, uma totalidade compreensiva" (p. 57).
Portanto, o material de comunicação produzido em homenagem às prostitutas, em sua arte, inscreve profundo respeito por essas pessoas, as afirmam como cidadãs e certamente promovem autoaceitação e, consequentemente, as capacitam a promover prevenção, defendendo-se da tradição que as subjulga e que tenta calá-las.
Vale lembrar que no Brasil, prostituição não é crime, é ocupação incluída pelo Ministério do Trabalho e Emprego, na Classificação Brasileira de Ocupações, inclusive com atribuição de "participar em ações educativas no campo da sexualidade", conforme descrito a seguir.
5198-05 - Profissional do sexo (Garota de programa, Garoto de programa, Meretriz, Messalina, Michê, Mulher da vida, Prostituta, Trabalhador do sexo)
Descrição Sumária: Buscam programas sexuais; atendem e acompanham clientes; participam em ações educativas no campo da sexualidade. As atividades são exercidas seguindo normas e procedimentos que minimizam a vulnerabilidades da profissão
Portanto, pela cidadania, pelo respeito, pela efetividade das medidas de prevenção em saúde "projetos de felicidade", inclusive de prostitutas, não devem ser reprimidos e sim considerados como ponto de partida de qualquer iniciativa em saúde pública... sem medo de ser feliz!
Fontes
§ AYRES, José Ricardo C. M.. Uma concepção hermenêutica de saúde. Physis [online]. 2007, vol.17, n.1, pp.43-62. ISSN 0103-7331. http://www.scielo.br/pdf/physis/v17n1/v17n1a04.pdf
§ Site do Portal sobre aids, doenças sexualmente transmissíveis e hepatites virais do Ministério da Saúde -www.aids.gov.br/noticia/2013/campanha-orienta-prostitutas-sobre-prevencao-de-dst-e-aids
§ Classificação Brasileira de Ocupações. www.mtecbo.gov.br"A coordenadora do movimento feminista pró-aborto Católicas pelo Direito de Decidir, Yury Puello Orozco, acredita que o projeto não passará pela CCJ.
"O estatuto concede para um embrião o mesmo status jurídico que uma pessoa já nascida e isso vai contra a Constituição", avalia. "A Bolsa Estupro e todo projeto é uma tentativa de frear a efetivação dos direitos da mulher. É um fortalecimento do conservadorismo na sociedade e um grande retrocesso."
Atenção: O STF já criou dois sujeitos jurídicos diferentes para os mesmos embriões: os que estão nos úteros das mulheres não podem ser mexidos. Os que estão congelados ou estão sendo "feitos" nas clínicas de reprodução "assistida" pertecem já ao bionegócio. Vão gerar patentes, tecidos de reparação de órgãos lesados....e pesquisa de novos medicamentos. A autorização do uso de embriões para engenharia genética foi aprovada na Lei de "Biossegurança " que legitimou a soja transgênica da Monsanto. Lei que o deputado Aldo Rebelo do Partido "Comunista" do Brasil relatou com fervor, mostrando que tudo a burguesia transforma em mercadoria, como ele não leu no Manifesto Comunista.
Por sua vez, a Anvisa denomina as clínicas de reprodução "assistida" de "Bancos de células e tecidos germinativos". O sistema de "vigilância sanitária" que controla não as estatísticas de mortes por hiperestimulação hormonal, nem muito menos as taxas de fracasso de 85% (que é a da França) mas sim quantos embriões estão disponíveis para "pesquisa e terapia" chama-se cândidamente "Sistema Nacional de Produção de Embriões".
Já temos uma patente da primeira linhagem de células vinda de embriões humanos no Brasil. Não se sabe quantos óvulos foram necessários. Provavelmente algumas centenas.
Isso acende algum alarme?
aposto que a CCJ vai manter a separação dos embriões "que vão pro lixo" (que rendem patentes) daqueles que o "útero materno molda" segundo o poeta Ayres Brito
A vacina contra o HPV é grande coisa?
Sim. A descoberta de que o vírus pode causar câncer de colo do útero rendeu um prêmio Nobel de medicina. O impacto social da vacina pode ser enorme. Nas áreas pobres, onde as mulheres não têm acesso a exames papanicolau e os homens nunca viram um urologista, a vacina pode reduzir drasticamente os casos de câncer de colo do útero, ânus, pênis e orofaringe.
O HPV sempre provoca doença?
Não. A cada 100 indivíduos sexualmente ativos, 75 adquirem o HPV ao longo da vida. Desses, 60 eliminam o vírus naturalmente. Isso mesmo: naturalmente. Sem fazer nada contra ele, sem sequer perceber que foi infectado.
O que acontece com os 15 que permanecem infectados?
Dez terão o vírus latente, sem qualquer lesão visível. Quatro terão lesões detectadas por exames, como o papanicolau. Se não tratadas, podem virar câncer. Apenas um terá verrugas genitais. Elas são benignas, mas incomodam.
Quem tem infecção latente (sem lesões visíveis) transmite o vírus?
Não se sabe com certeza. Se houver poucas cópias virais do HPV no organismo, ele não é transmitido.
Qual parcela das mulheres infectadas pelo HPV terá câncer do colo do útero?
Apenas 0,5%. Repito: 0,5%.
Qual parcela dos homens infectados pelo HPV terá câncer de pênis?
0,05%. Sim, você leu direito. Isso não é erro de digitação: 0,05%.
Quando a pessoa pega o HPV e fica naturalmente imune ao vírus, a proteção dura para sempre?
Nem sempre. É possível que um indivíduo que tenha adquirido o vírus em algum momento da vida e ficado naturalmente imune por muito tempo volte a adquirir o mesmo HPV se for exposto a ele novamente.
Quem pega o HPV nunca mais se livra dele?
Não é verdade. Com tratamento adequado, a pessoa que não eliminou o vírus naturalmente pode se curar e deixar de transmiti-lo.
Se tomar a vacina, a pessoa fica livre de todos os tipos de HPV?
Não. Existem cerca de 200 tipos de HPV. A vacina Gardasil, da Merck Sharp & Dohme, é quadrivalente. Ou seja: protege contra os tipos 6, 11, 16 e 18. Eles são responsáveis por 70% dos tumores do colo do útero e por 90% das verrugas genitais. A vacina Cervarix, da GlaxoSmithkline, é bivalente. Protege contra os tipos 16 e 18, que podem provocar câncer.
Quem toma a vacina pode adoecer por causa de outros tipos de HPV?
Sim. As vacinas não protegem contra todos os tipos causadores de lesões genitais e câncer. É possível que no futuro surjam uma segunda geração de vacinas, capazes de oferecer proteção contra um número maior de subtipos do vírus.
Quem tomou a vacina pode contrair a doença?
Pode. As vacinas protegem contra alguns tipos virais (e não todos) e sua eficácia não é total – gira em torno de 80%. A possibilidade de infecção existe, mas o risco de desenvolver a doença é baixo. É possível que o corpo se livre do vírus sem manifestar nenhum sintoma ou reação.
Quanto tempo dura a imunidade conferida pela vacina?
O tempo de proteção ainda não foi estabelecido. Daí a importância de seguir as pessoas vacinadas, o que está ocorrendo em diversos países, sob os olhares atentos da Organização Mundial da Saúde. Até agora, passados cerca de dez anos de seguimento de jovens vacinadas durante os ensaios clínicos, as duas vacinas registram o mesmo tempo de proteção. Espera-se que o mesmo ocorra em relação aos meninos e rapazes que estão sendo acompanhados há menos tempo.
Depois de cinco anos, é preciso tomar a vacina outra vez?
Até o momento, não há nenhuma indicação de necessidade de reforço.
É possível fazer um teste para saber se a pessoa já teve contato com o vírus e, dessa forma, evitar gastos desnecessários com a vacina?
É possível, mas não serve para muita coisa. O teste é capaz de indicar que a pessoa teve contato com o HPV, mas não revela qual foi o subtipo. Mesmo que a pessoa soubesse qual foi o subtipo que causou a infecção, a vacina pode protegê-las contra os outros subtipos.
Qual é o melhor momento para tomar a vacina?
O ideal é recebê-la antes do início da vida sexual. Quem não é mais virgem também pode ter benefícios. Mesmo que a pessoa tenha sido infectada por um dos tipos de HPV, a vacina quadrivalente pode protegê-la de outros três tipos. Ainda que o câncer de pênis seja raro, os rapazes também podem ser vacinados. Isso ajuda a quebrar a cadeia de transmissão. Com mais rapazes vacinados, a chance de transmissão do vírus para as moças cai bastante. No caso dos homossexuais, o risco de câncer anal também diminui.
A mulher vacinada pode deixar de fazer o exame papanicolau?
Não. A vacina não protege contra todas as causas de câncer do colo do útero. O exame que detecta lesões pré-cancerosas causadas por outros tipos do HPV continua sendo fundamental. Se descobertas precocemente pelo exame, elas lesões podem ser tratadas e nunca virar um câncer.
A vacina é segura?
Os estudos sugerem que sim. Ela não é feita com o próprio vírus, e sim com partículas virais criadas em laboratório. Elas não contêm o DNA do vírus. Cerca de 85% das voluntárias relataram efeitos colaterais leves. Dor de cabeça, febre branda, pequeno inchaço no braço. Os sintomas desaparecem no dia seguinte. Nos estudos internacionais, houve casos de morte súbita. Nenhuma das mortes, porém, pôde ser relacionado ao uso da vacina.
Quem toma a vacina pode dispensar a camisinha?
Não. A camisinha é fundamental para evitar o risco de contrair outros tipos de HPV e outras doenças sexualmente transmissíveis, como a aids.
A camisinha é suficiente para proteger contra o HPV?
Nem sempre. O HPV pode estar no escroto ou no ânus, regiões em que a camisinha não chega, e ser transmitido durante a relação em qualquer tipo de prática (vaginal, anal e oral).
Vale a pena comprar a vacina?
Depende da situação econômica de cada um. Se para pagar as doses, a família precisar economizar em educação e em alimentação, esqueça a vacina. Se você gasta esse valor em roupas, aparelhos eletrônicos ou qualquer outro supérfluo, talvez seja mais vantajoso investir em saúde.
Por tudo isso, depois de analisar os benefícios e as limitações das vacinas, tenho uma única certeza: criar pânico na população por causa do HPV é uma leviandade.
fonte: Cristiane Segatto
Edição: Claudete Costa, LBL (membro da CISMU no CNS)
A Marcha Mundial das Mulheres repudia com indignação o Projeto de Lei (PL 489/2007) de autoria dos Ex Deputados Luiz Bassuma (PV-BA) e Miguel Martini (PHS-MG), que propõe instituir o Estatuto do Nascituro. Este projeto foi aprovado na comissão de finanças no dia 05/06 através do substitutivo da deputada Solange Almeida do PMDB do RJ.
O PL passa a considerar sujeito pleno de direito o óvulo fecundado, ou seja, o organismo concebido e não nascido passa a ter mais direitos do que a mulher.
Tal projeto pretende ainda legalizar a violência sexual que as mulheres sofrem, principalmente o estupro, tornando inadmissível o aborto consequente desta violação e instituindo o pagamento de auxílio para sustentação do nascido até os 18 anos. O projeto institui a chamada "Bolsa Estupro", como é conhecida pelos movimentos de mulheres, reforçando que a punição recairá sobre a própria mulher violentada. A bolsa deverá ser paga pelo agressor e, caso não o faça, o ônus recairá sobre o Estado.
O estupro é um crime hediondo. Através deste projeto, o estuprador passa a ser chamado de genitor, e a vítima é obrigada a se relacionar com o criminoso, já que ele deverá assumir a paternidade. Também vão perder o direito ao aborto legal as mulheres com risco de vida e as grávidas de fetos anencéfalos, uma recente conquista do movimento de feminista através do Supremo Tribunal de Justiça.
Afora a hipocrisia, o abrandamento e a naturalização do crime do estupro, e a violação de vários direitos das mulheres, se destaca a pretensão do legislador em querer determinar quando começa a vida, questão que nem a ciência ousou fazer. Ao analisar os dispositivos desta proposta, cai por terra o discurso de "proteção da vida", pois não se vê nada além do que já tratam as legislações vigentes sobre direitos de personalidade, direito de saúde e direitos patrimoniais dos recém nascidos.
Caso aprovado este projeto, fica proibida ainda qualquer manifestação que trate do assunto aborto, cerceando o direito do debate, quesito fundamental para a democracia.
Assim, entendemos que a proposta do "Estatuto do nascituro" deve ser rechaçada, pois ela significa mais um dos ataques dos conservadores, machistas e opressores que:
- Condena as mulheres à submissão, mantendo-as expostas à violência;
- Reflete a omissão do legislativo diante do aborto como elemento de preservação da vida das mulheres e de garantia da autonomia;
- Golpeia a democracia, a igualdade e a justiça, atingindo bens e valores construídos historicamente.
O avanço rumo à aprovação do chamado "Estatuto do Nascituro" deve ser visto como ameaça aos direitos das mulheres. Nele, estão reunidas as pautas mais retrogradas e de submissão, ostentadas pelo patriarcado e pelas instituições que o perpetuam ao longo dos séculos: o controle sobre o corpo das mulheres, a institucionalização da violência sexual e o domínio sobre o destino e a vida das mulheres.
Ação 2010 da Marcha.
Fonte: Rede Mulher e Midia
Nota: MMM ( Marcha Mundial de Mulheres)
A Comissão de Finanças e Tributação aprovou, nesta quarta-feira, o chamado Estatuto do Nascituro (PL 478/07 e cinco projetos sobre o tema que tramitam em conjunto). As propostas dependem agora da aprovação da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania para serem analisados pelo Plenário. Os projetos preveem a concessão de uma bolsa a mulheres que engravidem após estupro.
De acordo com o texto, já aprovado como substitutivo na Comissão de Seguridade Social e Família, nascituro é o ser humano concebido, mas ainda não nascido. Ele terá assegurado o direito à vida, à saúde e a políticas públicas que garantam o seu desenvolvimento.
Segundo a proposta, o nascituro concebido a partir de estupro terá direito à assistência pré-natal e a ser encaminhado para adoção, caso a mãe assim deseje. Se a mãe vítima de estupro não tiver condições econômicas para cuidar da criança, o Estado arcará com uma pensão até que o estuprador seja identificado e responsabilizado pelo pagamento ou a criança seja adotada, se for vontade da mãe.
Efeito na sociedade
Para aprovar o projeto na Comissão de Finanças e Tributação, o relator, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), recomendou que a lei passasse a valer no ano seguinte à aprovação. "Nós estamos tratando sobre adequação orçamentária e financeira do projeto e ele é adequado. E, quanto ao mérito, ele tem um efeito muito importante na sociedade de identificar que a vida começa na concepção do ponto de vista de estatuto", destacou Cunha.
Em relação à polêmica gerada em razão de a proposta tratar da gravidez resultante do estupro, Eduardo Cunha considera que o texto aprovado é importante "por dar oportunidade a quem sofreu violência sexual de optar por não praticar o aborto".
Impacto orçamentário
No entanto, votaram contra a proposta os deputados Devanir Ribeiro (SP), Pedro Eugênio (PE), Afonso Florence (BA), Erika Kokay (DF), Cláudio Puty (PA) e Assis Carvalho (PI), todos do PT. O deputado Afonso Florence explica as razões.
"Se vai haver pagamento de benefício de prestação continuada (BPC) tem que se saber quantas pessoas serão beneficiadas, qual o valor do benefício, qual o tempo previsto para esse desembolso, qual a fonte de arrecadação, o impacto orçamentário", ressalta Florence. "Não há essa previsão [nas propostas]. Portanto, apresentamos voto em separado pela inadequação orçamentária do projeto em questão."
Recompensa ao estupro
A votação foi acompanhada por manifestantes contra e a favor do projeto. Para Lúcia Rincón, do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres, a proposta recompensa o estupro. Na sua avaliação, o texto aprovado é "uma violência contra a população, contra as famílias, a sociedade". Segundo ela, "aprovar este projeto, nesta comissão ou em qualquer outra é legitimar o estupro, recompensar o estuprador, é cometer uma crueldade sem nome com o conjunto das mulheres."
Acompanhado da esposa e da filha de um ano, o autônomo Renato Chagas também estava presente à votação, mas pensa diferente. "A mãe precisa ser cuidada e protegida também. Mas nunca uma dificuldade com relação à mãe pode ter como consequência a punição daquele que não tem nada a ver, que é o neném no ventre materno."
A proposta foi aprovada na Comissão de Finanças e Tributação no dia em que evangélicos organizaram uma marcha ao Congresso em favor da liberdade de expressão, da família tradicional e da vida; e um dia após a manifestação, na Esplanada, de movimentos religiosos também em favor da vida e do estatuto.
Tramitação
O projeto ainda será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, antes de ser votado pelo Plenário.
Em Teresina, segundo entidades negras, essa necessidade é gritante
As políticas públicas voltadas para mulheres negras ainda são uma necessidade dessa parcela da população, que não se sente totalmente contemplada pelas políticas universalistas.
Dentre as principais necessidades estão as de programas voltados para a saúde delas, já que elas são mais vulneráveis a determinadas doenças. Em Teresina, segundo entidades negras, essa necessidade é gritante.
Para discutir o assunto e outros voltados à população negra feminina, está sendo realizado, nesse final de semana, o I Seminário Estadual de Mulheres Negras e Saúde.
Doenças como diabetes tipo 2, anemia falsiforme, hipertensão arterial e câncer de colo do útero, por exemplo, são mais comuns em mulheres negras do que em brancas. Por causa disso e de outras particularidades dessa etnia, elas pedem ações voltadas especificamente para as mulheres.
Iraneide Soares da Silva, da Instituição da Mulher Negra do Piauí, afirma que se iniciaram há pouco tempo algumas ações voltadas para tentar suprir essa lacuna, mas ainda é tudo muito incipiente, em Teresina.
"Pesquisas já comprovaram que as políticas públicas universalistas não contemplam de forma eficaz a mulher negra.
Essas doenças mais comuns em mulheres com essa cor de pele geralmente são descobertas tardiamente e então o tratamento torna-se mais complicado, principalmente porque não há um tratamento pensado de acordo com essa perspectiva da mulher negra.
Além disso, há a falta de políticas públicas em outros setores como segurança, por exemplo, que acaba chegando na questão saúde também", afirmou.
A enfermeira da coordenação da saúde da mulher da Secretaria Estadual de Saúde, Lourdes Helena, afirma que já começam a ser articuladas ações dentro da Sesapi com o objetivo de contemplar de forma mais efetiva essa parcela da população.
Dentre as ações a serem realizadas na secretaria está a inserção de conteúdos relativos à saúde da mulher negra na formação dos profissionais de saúde.
Além disso, foi criada a coordenação de equidades, que irá articular técnicas voltadas para mulheres negras, e foi feita ainda a implantação do Programa de Saúde da Família para a população quilombola.
Fonte: Meio Norte /Instituto Geledés
Comecemos com um pequeno experimento mental. Suponhamos por um breve
instante que as leis e instituições funcionassem direitinho no Brasil
e que todas as mulheres que induzem ou tentam induzir em si mesmas um
aborto fora das hipóteses previstas em lei (risco de vida para a mãe
ou gravidez resultante de estupro) fossem identificadas, processadas e
presas. Neste caso, precisaríamos construir 5,5 novos presídios
femininos (unidades de 500 vagas) por dia apenas para abrigar as cerca
de 1 milhão de ex-futuras mamães que interrompem ilegalmente suas
gravidezes a cada ano. (Utilizo aqui o número estimado por Mario
Francisco Giani Monteiro e Leila Adesse para 2005).
Recursos igualmente vultosos teriam de ser destinados à edificação de
orfanatos, para abrigar as milhares de crianças que ficariam
desassistidas enquanto suas mães cumprissem pena.
Vale observar ainda que essa minha conta despreza um número
significativo de médicos, parteiras ou simplesmente comadres e amigas
que de algum modo auxiliaram as nossas reeducandas a livrar-se dos
fetos indesejáveis e, pela lei, também deveriam ir a cadeia.
Minha pergunta é muito simples: Você acha que a aplicação universal do
que preconiza a lei do aborto tornaria o Brasil um país melhor ou pior
do que é hoje?
Se você não respondeu melhor, há de concordar comigo que o problema do
aborto não é uma questão que se resolva na Justiça. Aliás, normas que
a maioria de nós não quer ver integralmente cumpridas são sérias
candidatas a leis que não pegam.
E isso deveria pôr quase todo mundo do mesmo lado. O importante, em
termos práticos, é criar as condições para que as mulheres não
precisem abortar, o que se consegue basicamente com a oferta de
métodos contraceptivos gratuitos ou pelo menos muito baratos à
população (com o que a Igreja Católica não concorda) e com educação.
Os estudos demográficos são unânimes em apontar uma fortíssima
correlação entre o nível de instrução da mulher e a diminuição da
fecundidade e, por conseguinte, dos abortos clandestinos. Tal
fenômeno, vale reforçar, já está em curso no Brasil. Trabalhos da
década de 90 estimavam em até 1,4 milhão o número anual de
interrupções forçadas da gravidez.
O problema é que, mesmo que avancemos a passos largos nessas
políticas, ainda assim sobraria um contingente de mulheres que, pelas
mais diversas razões, não conseguiu prevenir a gravidez e deseja
abortar. Em minha opinião, trata-se de uma decisão que cabe
exclusivamente a elas, mas já estou me antecipando.
Esse é um debate no qual as pessoas parecem menos interessadas nos
aspectos práticos (embora eles sejam os que de fato importam) do que
nas discussões de princípio. Assim, antes de prosseguir, precisamos
resolver algumas questiúnculas prévias como quando começa a vida?, a
alma existe?, qual o alcance do Direito?.
O argumento central dos antiabortistas é o de que a vida tem início na
concepção e deve desde então ser protegida. Por essa visão, o embrião
teria os mesmos direitos de qualquer ser humano.
É no mínimo complicado afirmar que a vida começa com a concepção.
Tanto o óvulo como o espermatozoide já eram vivos antes de se unirem.
O que daria para dizer é que a fusão dos gametas marca a criação da
identidade genética do que poderá tornar-se um ser humano, se as
condições ambientais ajudarem. Uma semente não é uma árvore e não
recebe do Ibama o mesmo nível de proteção que uma respeitável tora de
mogno. O que a concepção produz é um ser humano em potência, para
utilizar a distinção aristotélica, autor tão caro à igreja. E não faz
muito sentido embaralhar potencialidades com atualidades; afinal, no
longo prazo somos todos cadáveres.
Só o que torna coerente a posição do Vaticano, é um dogma de fé: o
homem é composto de corpo e alma. E a igreja inclina-se a afirmar que
esta é instilada no novo ser no momento da concepção. Só que ninguém
jamais demonstrou que existe alma e muito menos que ela se instala no
embrião quando o espermatozoide fertiliza o óvulo. O dissenso não opõe
apenas religiosos a desalmados ateus. Uma das mais importantes
autoridades da igreja, santo Tomás de Aquino, afirmou, acompanhando
Aristóteles, que a alma de garotos só chegava ao embrião no 40º dia.
Já a de garotas (vocês sabem como são as meninas!) só no 48º dia.
Mas será que a noção de alma para em pé? Podemos dizer que ela não
casa muito bem com o que sabemos de biologia. Estima-se que 2/3 a 3/4
dos óvulos fecundados jamais se fixem no útero, resultando em abortos
espontâneos. A vida em potência, no mais das vezes, torna-se, não vida
em ato, mas aborto em ato. Se a alma é soprada por Deus no momento da
concepção, qual é o sentido desse verdadeiro holocausto anímico? Para
cada alma humana que vinga duas ou três são sacrificadas antes mesmo
de vir à luz. Tamanho desperdício seria menos insensato se a Igreja
Católica abraçasse, como as religiões mais antigas, a doutrina da
metempsicose (transmigração das almas). A alma não teve sucesso nesta
tentativa, paciência, poderá conseguir mais tarde. Mas, como o
catolicismo rejeita a tal da reencarnação, cada aborto resulta numa
alma irremediavelmente perdida. É bem verdade que essa aparente
incongruência não é um problema para o verdadeiro fiel, que jamais
questiona os atos de Deus. Se Ele comanda uma Auschwitz espiritual,
deve ter motivos para isso, mesmo que desafiem a nossa compreensão.
Só que o desperdício não é a única dificuldade que a introdução da
alma gera. Para começar, a própria concepção não é exatamente um
instante, mas um intervalo que varia de 24 a 48 horas. Esse é o tempo
que transcorre entre a penetração do espermatozóide no óvulo e a fusão
genética dos gametas. Será que a alma leva todo esse tempo para ser
soprada no novo ser? Pior, se assumimos todas as conseqüências dessa
noção, mulheres que usam DIU ou tomam a pílula do dia seguinte
deveriam ser processadas como assassinas em série, pois esses métodos
contraceptivos impedem que o concepto --já com alma-- se implante no
útero. (A Igreja Católica de fato condena toda forma não natural de
prevenção da gravidez, mas a maioria dos protestantes não vai tão
longe).
É, entretanto, o fenômeno da gemelaridade que revela todos os limites
e contradições da idéia de alma. Como já expliquei em outras colunas,
gêmeos monozigóticos (idênticos) se formam entre um e 14 dias depois
da fertilização, quando o embrião sofre um desenvolvimento anormal
dando lugar a dois ou mais indivíduos com o mesmo material genético. A
alma, é claro, já estava lá. Cabem, assim, algumas perguntas. Ela
também se divide, ou outras almas surgem para animar os demais irmãos?
De onde elas vêm? Quem fica com a original? E, se gêmeos partilham a
mesma alma, como fica o livre-arbítrio? Se um irmão peca, leva o outro
ao inferno? Ou a alma boa prevalece sobre a má, carregando para o
paraíso uma ovelha negra? In dubio pro bono.
A situação fica ainda mais divertida se pensarmos nas quimeras, isto é
aqueles indivíduos compostos por materias genéticos provenientes de
diferentes zigotos. O quimerismo é relativamente raro entre humanos,
mas ocorre quando dois ou mais embriões se fundem antes do quarto dia
de gestação. Se os óvulos são do mesmo sexo, o mais provável é que
surja um indivíduo perfeito, embora às vezes com um olho de cada cor
ou mesmo com diferentes tonalidades de pele e cabelo. Na hipótese de
serem um de cada sexo, o resultado será o hermafroditismo.
Teríamos aqui pessoas com duas ou mais almas dentro de si mesmas. Qual
prevalece? Se uma for boa e outra má a pessoa se divide para ir ao
paraíso e ao inferno? Como? Por turnos ou pela repartição física? Ou
tira-se a média e a ela vai para o purgatório?
O que procurei mostrar com essas considerações é que não é tão certo
que a vida comece com a concepção. Essa é uma ideia que depende muito
mais de dogmas de fé não provados do que de boa informação colhida em
campo.
O meu palpite (e é só um palpite, porque eu, ao contrário de alguns
religiosos, tenho muito poucas certezas) é que não dá para estabelecer
um instante mágico a partir do qual o embrião se torna um ser humano.
Ou melhor, até podemos eleger esse momento, mas ele será tão
arbitrário quanto qualquer outro.
E, já que a definição é necessariamente arbitrária, não vejo motivos
para não a ajustarmos às nossas necessidades.
Vale reparar que é esse o tratamento que a lei brasileira já dispensa
hoje ao assunto, como se pode constatar a partir da pena que ela
reserva para o aborto (1 a 4 anos) e para o homicídio simples (6 a
20). A própria Bíblia faz a mesma distinção em Êxodo 21:22.
Minha sugestão é que deixemos a hipocrisia de lado. Se acreditamos na
versão católica da vida, deveríamos banir o aborto em todas as
ocasiões (inclusive quando há perigo de vida para a mãe) e equiparar
sua pena à do homicídio qualificado (sem possibilidade de defesa para
a vítima), que é de até 30 anos. O otimista sempre poderá afirmar que
a construção de tantos presídios vai estimular a economia.
Alternativamente, podemos avançar mais um pouco na necessária
arbitrariedade das definições e permitir que, no início da gestação, a
mulher possa decidir livremente se quer ou não abortar e, à medida que
a gravidez avança, as proteções dadas ao feto vão sendo ampliadas. É a
definição mesma de processo. Eliminar um feto em estágios mais
avançados da gravidez significa tirar uma vida? É claro que sim, mas
nosso sistema jurídico admite várias situações, até mesmo de
homicídio, que são escusadas. É o caso da legítima defesa, do estrito
cumprimento do dever, entre outros.
O mundo não é exatamente um lugar bonito. Mas não precisamos piorá-lo
ainda mais transformando-o numa imensa penitenciária.
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