02/06/2013

ABORTO: Problema ou solução para a mortalidade materna?

Comecemos com um pequeno experimento mental. Suponhamos por um breve
instante que as leis e instituições funcionassem direitinho no Brasil
e que todas as mulheres que induzem ou tentam induzir em si mesmas um
aborto fora das hipóteses previstas em lei (risco de vida para a mãe
ou gravidez resultante de estupro) fossem identificadas, processadas e
presas. Neste caso, precisaríamos construir 5,5 novos presídios
femininos (unidades de 500 vagas) por dia apenas para abrigar as cerca
de 1 milhão de ex-futuras mamães que interrompem ilegalmente suas
gravidezes a cada ano. (Utilizo aqui o número estimado por Mario
Francisco Giani Monteiro e Leila Adesse para 2005).

Recursos igualmente vultosos teriam de ser destinados à edificação de
orfanatos, para abrigar as milhares de crianças que ficariam
desassistidas enquanto suas mães cumprissem pena.

Vale observar ainda que essa minha conta despreza um número
significativo de médicos, parteiras ou simplesmente comadres e amigas
que de algum modo auxiliaram as nossas reeducandas a livrar-se dos
fetos indesejáveis e, pela lei, também deveriam ir a cadeia.

Minha pergunta é muito simples: Você acha que a aplicação universal do
que preconiza a lei do aborto tornaria o Brasil um país melhor ou pior
do que é hoje?

Se você não respondeu melhor, há de concordar comigo que o problema do
aborto não é uma questão que se resolva na Justiça. Aliás, normas que
a maioria de nós não quer ver integralmente cumpridas são sérias
candidatas a leis que não pegam.

E isso deveria pôr quase todo mundo do mesmo lado. O importante, em
termos práticos, é criar as condições para que as mulheres não
precisem abortar, o que se consegue basicamente com a oferta de
métodos contraceptivos gratuitos ou pelo menos muito baratos à
população (com o que a Igreja Católica não concorda) e com educação.
Os estudos demográficos são unânimes em apontar uma fortíssima
correlação entre o nível de instrução da mulher e a diminuição da
fecundidade e, por conseguinte, dos abortos clandestinos. Tal
fenômeno, vale reforçar, já está em curso no Brasil. Trabalhos da
década de 90 estimavam em até 1,4 milhão o número anual de
interrupções forçadas da gravidez.

O problema é que, mesmo que avancemos a passos largos nessas
políticas, ainda assim sobraria um contingente de mulheres que, pelas
mais diversas razões, não conseguiu prevenir a gravidez e deseja
abortar. Em minha opinião, trata-se de uma decisão que cabe
exclusivamente a elas, mas já estou me antecipando.

Esse é um debate no qual as pessoas parecem menos interessadas nos
aspectos práticos (embora eles sejam os que de fato importam) do que
nas discussões de princípio. Assim, antes de prosseguir, precisamos
resolver algumas questiúnculas prévias como quando começa a vida?, a
alma existe?, qual o alcance do Direito?.

O argumento central dos antiabortistas é o de que a vida tem início na
concepção e deve desde então ser protegida. Por essa visão, o embrião
teria os mesmos direitos de qualquer ser humano.

É no mínimo complicado afirmar que a vida começa com a concepção.
Tanto o óvulo como o espermatozoide já eram vivos antes de se unirem.
O que daria para dizer é que a fusão dos gametas marca a criação da
identidade genética do que poderá tornar-se um ser humano, se as
condições ambientais ajudarem. Uma semente não é uma árvore e não
recebe do Ibama o mesmo nível de proteção que uma respeitável tora de
mogno. O que a concepção produz é um ser humano em potência, para
utilizar a distinção aristotélica, autor tão caro à igreja. E não faz
muito sentido embaralhar potencialidades com atualidades; afinal, no
longo prazo somos todos cadáveres.

Só o que torna coerente a posição do Vaticano, é um dogma de fé: o
homem é composto de corpo e alma. E a igreja inclina-se a afirmar que
esta é instilada no novo ser no momento da concepção. Só que ninguém
jamais demonstrou que existe alma e muito menos que ela se instala no
embrião quando o espermatozoide fertiliza o óvulo. O dissenso não opõe
apenas religiosos a desalmados ateus. Uma das mais importantes
autoridades da igreja, santo Tomás de Aquino, afirmou, acompanhando
Aristóteles, que a alma de garotos só chegava ao embrião no 40º dia.
Já a de garotas (vocês sabem como são as meninas!) só no 48º dia.

Mas será que a noção de alma para em pé? Podemos dizer que ela não
casa muito bem com o que sabemos de biologia. Estima-se que 2/3 a 3/4
dos óvulos fecundados jamais se fixem no útero, resultando em abortos
espontâneos. A vida em potência, no mais das vezes, torna-se, não vida
em ato, mas aborto em ato. Se a alma é soprada por Deus no momento da
concepção, qual é o sentido desse verdadeiro holocausto anímico? Para
cada alma humana que vinga duas ou três são sacrificadas antes mesmo
de vir à luz. Tamanho desperdício seria menos insensato se a Igreja
Católica abraçasse, como as religiões mais antigas, a doutrina da
metempsicose (transmigração das almas). A alma não teve sucesso nesta
tentativa, paciência, poderá conseguir mais tarde. Mas, como o
catolicismo rejeita a tal da reencarnação, cada aborto resulta numa
alma irremediavelmente perdida. É bem verdade que essa aparente
incongruência não é um problema para o verdadeiro fiel, que jamais
questiona os atos de Deus. Se Ele comanda uma Auschwitz espiritual,
deve ter motivos para isso, mesmo que desafiem a nossa compreensão.

Só que o desperdício não é a única dificuldade que a introdução da
alma gera. Para começar, a própria concepção não é exatamente um
instante, mas um intervalo que varia de 24 a 48 horas. Esse é o tempo
que transcorre entre a penetração do espermatozóide no óvulo e a fusão
genética dos gametas. Será que a alma leva todo esse tempo para ser
soprada no novo ser? Pior, se assumimos todas as conseqüências dessa
noção, mulheres que usam DIU ou tomam a pílula do dia seguinte
deveriam ser processadas como assassinas em série, pois esses métodos
contraceptivos impedem que o concepto --já com alma-- se implante no
útero. (A Igreja Católica de fato condena toda forma não natural de
prevenção da gravidez, mas a maioria dos protestantes não vai tão
longe).

É, entretanto, o fenômeno da gemelaridade que revela todos os limites
e contradições da idéia de alma. Como já expliquei em outras colunas,
gêmeos monozigóticos (idênticos) se formam entre um e 14 dias depois
da fertilização, quando o embrião sofre um desenvolvimento anormal
dando lugar a dois ou mais indivíduos com o mesmo material genético. A
alma, é claro, já estava lá. Cabem, assim, algumas perguntas. Ela
também se divide, ou outras almas surgem para animar os demais irmãos?
De onde elas vêm? Quem fica com a original? E, se gêmeos partilham a
mesma alma, como fica o livre-arbítrio? Se um irmão peca, leva o outro
ao inferno? Ou a alma boa prevalece sobre a má, carregando para o
paraíso uma ovelha negra? In dubio pro bono.

A situação fica ainda mais divertida se pensarmos nas quimeras, isto é
aqueles indivíduos compostos por materias genéticos provenientes de
diferentes zigotos. O quimerismo é relativamente raro entre humanos,
mas ocorre quando dois ou mais embriões se fundem antes do quarto dia
de gestação. Se os óvulos são do mesmo sexo, o mais provável é que
surja um indivíduo perfeito, embora às vezes com um olho de cada cor
ou mesmo com diferentes tonalidades de pele e cabelo. Na hipótese de
serem um de cada sexo, o resultado será o hermafroditismo.

Teríamos aqui pessoas com duas ou mais almas dentro de si mesmas. Qual
prevalece? Se uma for boa e outra má a pessoa se divide para ir ao
paraíso e ao inferno? Como? Por turnos ou pela repartição física? Ou
tira-se a média e a ela vai para o purgatório?

O que procurei mostrar com essas considerações é que não é tão certo
que a vida comece com a concepção. Essa é uma ideia que depende muito
mais de dogmas de fé não provados do que de boa informação colhida em
campo.

O meu palpite (e é só um palpite, porque eu, ao contrário de alguns
religiosos, tenho muito poucas certezas) é que não dá para estabelecer
um instante mágico a partir do qual o embrião se torna um ser humano.
Ou melhor, até podemos eleger esse momento, mas ele será tão
arbitrário quanto qualquer outro.

E, já que a definição é necessariamente arbitrária, não vejo motivos
para não a ajustarmos às nossas necessidades.

Vale reparar que é esse o tratamento que a lei brasileira já dispensa
hoje ao assunto, como se pode constatar a partir da pena que ela
reserva para o aborto (1 a 4 anos) e para o homicídio simples (6 a
20). A própria Bíblia faz a mesma distinção em Êxodo 21:22.

Minha sugestão é que deixemos a hipocrisia de lado. Se acreditamos na
versão católica da vida, deveríamos banir o aborto em todas as
ocasiões (inclusive quando há perigo de vida para a mãe) e equiparar
sua pena à do homicídio qualificado (sem possibilidade de defesa para
a vítima), que é de até 30 anos. O otimista sempre poderá afirmar que
a construção de tantos presídios vai estimular a economia.

Alternativamente, podemos avançar mais um pouco na necessária
arbitrariedade das definições e permitir que, no início da gestação, a
mulher possa decidir livremente se quer ou não abortar e, à medida que
a gravidez avança, as proteções dadas ao feto vão sendo ampliadas. É a
definição mesma de processo. Eliminar um feto em estágios mais
avançados da gravidez significa tirar uma vida? É claro que sim, mas
nosso sistema jurídico admite várias situações, até mesmo de
homicídio, que são escusadas. É o caso da legítima defesa, do estrito
cumprimento do dever, entre outros.

O mundo não é exatamente um lugar bonito. Mas não precisamos piorá-lo
ainda mais transformando-o numa imensa penitenciária.

Fonte: Folha Online, Schwartsmann, Hélio (articulista)
Edição: Claudete Costa, LBL 
(Membro da CISMU, do CNS)

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Mulheres lésbicas e bissexuais sentem-se inibidas em procurar ajuda do ginecologista. Revelar nossa intimidade num contexto social de enorme preconceito não é uma tarefa fácil. E ainda existe o medo do uso dos aparelhos (como o espéculo) para aquelas que não sofrem penetração nas suas relações sexuais.


Embora não seja possível estimar quantas vão aos consultórios, pois não existe a possibilidade de informação da orientação sexual no prontuário médico, apontamos para a falta de um espaço adequado para dialogarmos sobre nossas dúvidas e práticas sexuais.

A falta de acolhimento por parte do corpo de profissionais de saúde na rede pública, somadas ao medo da rejeição e ao preconceito efetivamente existente, faz com que muitas dentre nós saiamos dos consultórios com recomendações para usar pílulas anticoncepcionais ou camisinhas masculinas.

Sem orientação adequada algumas acham que só desenvolvem câncer de útero mulheres quem têm relações heterossexuais, deixando de prestar atenção a um fator de aumento de risco para aquelas que nunca tiveram uma gravidez e desconsiderando a necessidade de fazerem os exames e a prevenção de DSTs/AIDS.

Temos necessidade de efetivar o plano nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) e assegurar a assistência ginecológica de qualidade e atenção à saúde integral em todas as fases da vida para todas as mulheres, sejam lésbicas, bissexuais, transexuais ou heterosexuais.

No consultório médico não entra o preconceito e ali TODAS SÃO BEM VINDAS!

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Principais Resultados da Pesquisa

  • Pesquisa revela tensão, por parte dos médicos, entre a noção de homossexualidade como distúrbio hormonal ou doença psíquica e a necessidade de aderir a um discurso “politicamente correto” de não discriminação.

  • No caso das mulheres os dados indicam que a saúde em geral é um tema delicado porque envolve experiências de discriminação e expectativas de desconforto, particularmente em relação à consulta ginecológica.

  • As mulheres mais masculinas tendem a evitar os médicos, recorrendo aos serviços de saúde, em geral, apenas nas situações em que se percebem incapacitadas para o trabalho ou para realizarem atividades cotidianas.

  • A abordagem das questões de prevenção faz pouco sentido para as entrevistadas lésbicas porque elas não percebem riscos nas suas práticas sexuais. Além disso, o tema desperta tensões no que diz respeito ao imperativo da fidelidade conjugal e a própria afirmação de uma identidade lésbica.

  • Há um pacto de silêncio a respeito da homossexualidade: os profissionais não falam sobre este assunto por medo de invadir a privacidade ou discriminar as pacientes, ou simplesmente porque não se sentem capacitados (tecnicamente) para abordar o assunto.

  • Já as mulheres têm receio de serem tratadas com distinção e alimentam dúvidas quanto à necessidade dessa informação durante a consulta, o que as faz silenciar sobre sua orientação e práticas sexuais.
  • O Resultado disso é uma consulta impessoal, que não reconhece a diferença das mulheres lésbicas e bissexuais, com pacientes acuadas pelo medo da discriminação explícita e um silêncio de ambas as partes que afasta as mulheres lésbicas, sobretudo as mais masculinizadas dos consultórios do SUS.

  • As consultas não raro resultam em receitas de contraceptivos e indicação de uso de camisinhas masculinas, o que faz com que as mulheres, invisibilizadas, não retornem ao consultório médico.


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