E se a vítima de estupro do ônibus 369 engravidasse?
Terça-feira, 11 Junho 2013 – 10:39
Photo: OCarlitos
Há pouco mais de um mês, uma mulher de 30 anos foi estuprada por um homem dentro do ônibus 369, em direção à Bangu, Zona Oeste do Rio de Janeiro. O homem entrou em posse de uma arma, ordenou que os passageiros ficassem na parte de trás do ônibus e que um deles recolhesse pertences dos outros e colocasse numa mochila.
Enquanto isso, ele estuprava a mulher na parte central do veículo.
Quatro dias após o crime, um jovem de 16 anos apresentou-se à polícia declarando-se culpado. O acontecimento fortaleceu um fervoroso debate – que causou muita polêmica, sobretudo nas redes sociais – sobre a proposta de redução para a maioridade penal. Não queremos nos concentrar neste debate, apesar de ser de suma relevância. Vale apenas destacar que o massivo apoio à redução da maioridade penal nos parece mais um representativo do momento presente em que a agenda dos Direitos Humanos vem sofrendo fortes ataques de diversos ângulos: redução da maioridade penal, projeto para "cura gay" (muito embora o Conselho Nacional de Justiça tenha legalizado, recentemente, o casamento igualitário) e o Projeto de Lei referente ao Estatuto do Nascituro, aprovado há dois dias na Comissão de Finanças e Tributação do Congresso Nacional.
Apesar de avanços recentes no que se refere aos direitos das mulheres, o cenário político brasileiro nos apresenta diversos riscos de retrocessos. A tentativa de aprovação do Projeto de Lei nº 478/2007, que determina direitos aos nascituros (mais comumente chamado de feto, que ainda não nasceu), é um claro exemplo disso. O Projeto - de autoria de Luiz Bassuma (PT/BA) e Miguel Martini (PHS/MG) – foi desarquivado em 2011 pela deputada Sueli Vidigal (PDT/ES) e acaba de ser aprovado pela Comissão de Finanças e Tributação, sendo encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça, se aproximando cada vez mais de se tornar lei.
Quando vemos que o Estatuto traz direitos aos nascituros, alguns deles já estabelecidos no Código Civil, notamos que o Projeto de Lei viola direitos humanos das mulheres e afasta ainda mais a sociedade do necessário debate sobre os altos índices de abortos inseguros e de morbidade e mortalidade materna no Brasil.
A criação do Estatuto não simplesmente busca dar direitos aos fetos, mas também criminalizar e sujeitar as mulheres a uma situação de vulnerabilidade ainda maior. O Projeto de Lei criminaliza qualquer tipo de interrupção da gravidez, incluindo aqueles casos já reconhecidos por lei, bem como em casos de fetos anencéfalos (apesar de não constar no Código Penal, recentemente o STF permitiu em votação a interrupção da gravidez nesses casos). Por exemplo, nos casos em que a gravidez põe em risco a vida da mulher ou em casos de estupro, o Estatuto prevê que a vida do nascituro deve ser preservada acima de qualquer coisa. Ou seja, mesmo sendo dona de seu corpo e fazendo a escolha de viver, a mulher é obrigada a correr o risco de morrer para que dê vida ao feto. E mesmo depois de sofrer uma penosa violação física e psicológica, a mulher é obrigada a manter a gravidez que foi resultada de um estupro – porque o estuprador é o "genitor", segundo o PL. Mesmo nos casos de aborto espontâneo, uma mulher deverá passar por uma investigação para que a polícia tenha certeza de que o aborto não foi, em nenhum momento, planejado.
Assim, a proposta do Estatuto do Nascituro apresenta em vários momentos proposições que institucionalizam a violência psicológica a várias mulheres, tais como àquelas que já passaram por uma, ou a pior das violências: a sexual. Que tal ler para o resto de sua vida o nome do seu estuprador na certidão de nascimento de seu filho? Sim, isto consta na redação do Estatuto.
O caso de estupro do ônibus 369 que teve grande repercussão é apenas um dos vários casos de estupros que acometem as mulheres. No Estado do Rio de Janeiro, apenas, 16 mulheres são vítimas de estupro, a cada dia. O que queremos destacar, enfim, é que, além de impedir qualquer debate sobre o aborto, que leve em consideração os efeitos perversos de sua criminalização para a vida das mulheres, em especial as pobres, o Estatuto do Nascituro reforça uma lógica de criminalização e culpabilização das mulheres, por aquilo que elas não têm culpa, pelo contrário, são vítimas.
E ainda tem gente que acha que a "cultura do estupro", contra o qual o movimento de mulheres luta, não passa somente de um "mito da opressão feminina"...
Se você também é a favor do cumprimento efetivo dos direitos das mulheres, assine: http://www.avaaz.org/po/petition/Diga_NAO_ao_Estatuto_do_Nascituro_PL_4782007/
Carolina Coêlho e Emilia Jomalinis
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