25/07/2013

Democracia Frustada


Estatuto do Nascituro proíbe pesquisa com células-tronco

Por Brunello Stancioli e Nara Pereira Carvalho

Proposto em 2007 por meio do projeto de lei 478, o Estatuto do Nascituro tem recebido uma série de críticas à sua promulgação. Com conteúdo frequentemente associado a preceitos religiosos, a proximidade da vinda do papa ao Brasil neste mês de julho contribuiu para que as manifestações se acirrassem.

No entanto, os debates em torno do projeto têm se centrado em temas atinentes ao aborto apenas – a provável inviabilização da sua prática nos casos de estupro, a apelidada "bolsa estupro", o direito ao livre uso do corpo pelas mulheres etc. Embora se tratem de colocações plausíveis, cuja abordagem é necessária face uma possível aprovação do Estatuto, pouco ou nada se tem dito sobre as repercussões que ele também terá em outras duas questões de grande relevância hoje: 

a)a inviabilização da prática das pesquisas com células-tronco embrionárias; 
b)a inviabilização da fertilização in vitro.

Nascituro in vitro?
Ao tratar da proteção ao nascituro, o projeto traz, em seu artigo 2º, a definição legal do termo, até então ausente no ordenamento jurídico brasileiro. Nascituros seriam todos os embriões, inclusive os que não estão em desenvolvimento no útero materno:

Art. 2º Nascituro é o ser humano concebido, mas ainda não nascido.

Parágrafo único. O conceito de nascituro inclui os seres humanos concebidos "in vitro", os produzidos através de clonagem ou por outro meio científica e eticamente aceito.

Retoma-se, assim, questão já discutida pelo Supremo Tribunal Federal, quando em pauta a ADI-3.510, que tinha por objeto a constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005), o qual passou a autorizar as pesquisas com células-tronco embrionárias no país. Na decisão, de 2010, concluiu-se pela viabilidade das pesquisas e, em diversas oportunidades do julgamento, abordou-se o significado de nascituro, reforçando-se que este é o ser em desenvolvimento no útero materno (ADI-3.510, voto dos ministros Ayres Britto, p. 39; Cezar Peluso, p. 6; Eros Grau, p. 5; Lewandowski, p. 22; Marco Aurélio, p. 10), e da inexistência de direitos da personalidade dos embriões a serem utilizados nas pesquisas.

Para logo se vê, destarte, que aí, no texto legal, embrião não corresponde a um ser em processo de desenvolvimento vital, em um útero. Embrião é aí, no texto legal, óvulo fecundado congelado, isto é, paralisado a margem de qualquer movimento que possa caracterizar um processo. Lembre-se de que vida e movimento. Nesses óvulos fecundados não há ainda vida humana. [...] Não ha vida humana no óvulo fecundado fora de um útero que o artigo 5º da Lei n. 11.105/05 chama de embrião. A vida estancou nesses óvulos. Houve a fecundação, mas o processo de desenvolvimento vital não é desencadeado. Por isso não tem sentido cogitarmos, em relação a esses "embriões" do texto do artigo 5º da Lei n. 11.105/05, nem de vida humana a ser protegida, nem de dignidade atribuível a alguma pessoa humana (ADI-3510, voto do ministro Eros Grau, p. 8-9).

Nesse sentido, o projeto vai de encontro a tema já pacificado pelo STF, ao colocar, por exemplo, e explicitamente, os direitos à vida, à integridade física (artigo 3º) e à convivência familiar (artigo 4º) do embrião congelado, numa provável tentativa de coibir a existência de embriões criopreservados. Contudo, tais disposições acabam por repercutir na prática das pesquisas com células-tronco embrionárias e na própria fertilização in vitro.

A inviabilização das pesquisas com células-tronco embrionárias
Uma das consequências imediatas da aprovação do projeto de lei é a impossibilidade de realização das pesquisas com células-tronco embrionárias no país – as quais já foram autorizadas por lei e declaradas constitucionais. 

Primeiro porque tais pesquisas pressupõem a existência de embriões que nunca serão implantados no ventre materno – e, portanto, nunca terão a convivência familiar que o projeto de lei lhes assegura. Segundo porque a extração das células-tronco implica a destruição do embrião do qual as células são retiradas, de modo que os direitos à vida e à integridade física do embrião congelado seriam desrespeitados.

Mais além, o projeto prevê, em seu artigo 25, pena de detenção de um a três anos e multa àquele que congelar, manipular ou utilizar nascituro como material de experimentação. A pesquisa é impedida de inúmeras formas e, curiosamente, tal aspecto tem passado bastante despercebido nas discussões do Legislativo ou mesmo da sociedade civil – ao contrário do que ocorreu à época em que a ADI-3.510 foi julgada no STF. 

A inviabilização da fertilização in vitro
Da mesma maneira, os citados artigos 3º e 4º do projeto também importam prejuízos à fertilização in vitro, pois a única forma de compatibilizar o projeto com a técnica seria que todos os embriões fertilizados em laboratório fossem implantados. 

Tal prática, no entanto, é pouco utilizada. Visando à maior efetividade possível do procedimento, via de regra, são fertilizados mais embriões do que os implantados, e apenas os viáveis, dentro do limite previsto pela Resolução 2.013/2013 do Conselho Federal de Medicina, são implantados na mulher.

Assim, e considerando que o procedimento de fertilização in vitro é custoso, seja pela perspectiva financeira, seja pela medicação e dosagens hormonais a que a mulher é submetida, seja pelas expectativas sentimentais envolvidas, não se implanta o número exato de embriões que foram fertilizados.

Outra questão a ser considerada é que o diagnóstico pré-implantatório, prática auxiliar à fertilização in vitro, também seria inviabilizado pelo Estatuto do Nascituro, já que, através dele, seriam identificadas doenças graves num embrião, e que, a partir de então, não seria mais considerado no procedimento de fertilização. Pelo Estatuto, qualquer discriminação entre embriões estaria vedada.

Um Retrocesso não Explícito
Para além das implicações atinentes ao aborto, o projeto de lei sobre o Estatuto do Nascituro repercute nas pesquisas com células-tronco embrionárias e na fertilização in vitro, questões que vêm sendo debatidas e reconhecidas ao longo de anos.

Simultaneamente, e sem serem apresentadas justificativas para tanto, são limitados o livre planejamento familiar (direito humano-fundamental, conforme artigo 226, parágrafo 7º, da Constituição de 1988) e o progresso científico, em meio a um retrocesso que não foi sequer explicitado. 

Numa democracia, é importante que o devido processo legislativo seja acompanhado por debates públicos, nos quais se tenham clareza e se evidenciem os fundamentos que amparam a produção da norma. Nada disso foi feito em relação a esse projeto de lei. Frustram-se, de maneira insidiosa, democracia, ciência e livre planejamento familiar.

Brunello Stancioli é professor na Faculdade de Direito da UFMG, mestre e doutor pela UFMG e Pós-Doutor pela Universidade de Oxford

Nara Pereira Carvalho é mestra e doutoranda em Direito pela UFMG, professora da graduação em Direito na Universidade Federal de Juiz de Fora e membro do Grupo Persona, da UFMG

Revista Consultor Jurídico, 24 de julho de 2013

 



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SUA SEXUALIDADE É ASSUNTO SEU, SUA SAÚDE É ASSUNTO NOSSO!


Mulheres lésbicas e bissexuais sentem-se inibidas em procurar ajuda do ginecologista. Revelar nossa intimidade num contexto social de enorme preconceito não é uma tarefa fácil. E ainda existe o medo do uso dos aparelhos (como o espéculo) para aquelas que não sofrem penetração nas suas relações sexuais.


Embora não seja possível estimar quantas vão aos consultórios, pois não existe a possibilidade de informação da orientação sexual no prontuário médico, apontamos para a falta de um espaço adequado para dialogarmos sobre nossas dúvidas e práticas sexuais.

A falta de acolhimento por parte do corpo de profissionais de saúde na rede pública, somadas ao medo da rejeição e ao preconceito efetivamente existente, faz com que muitas dentre nós saiamos dos consultórios com recomendações para usar pílulas anticoncepcionais ou camisinhas masculinas.

Sem orientação adequada algumas acham que só desenvolvem câncer de útero mulheres quem têm relações heterossexuais, deixando de prestar atenção a um fator de aumento de risco para aquelas que nunca tiveram uma gravidez e desconsiderando a necessidade de fazerem os exames e a prevenção de DSTs/AIDS.

Temos necessidade de efetivar o plano nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) e assegurar a assistência ginecológica de qualidade e atenção à saúde integral em todas as fases da vida para todas as mulheres, sejam lésbicas, bissexuais, transexuais ou heterosexuais.

No consultório médico não entra o preconceito e ali TODAS SÃO BEM VINDAS!

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Principais Resultados da Pesquisa

  • Pesquisa revela tensão, por parte dos médicos, entre a noção de homossexualidade como distúrbio hormonal ou doença psíquica e a necessidade de aderir a um discurso “politicamente correto” de não discriminação.

  • No caso das mulheres os dados indicam que a saúde em geral é um tema delicado porque envolve experiências de discriminação e expectativas de desconforto, particularmente em relação à consulta ginecológica.

  • As mulheres mais masculinas tendem a evitar os médicos, recorrendo aos serviços de saúde, em geral, apenas nas situações em que se percebem incapacitadas para o trabalho ou para realizarem atividades cotidianas.

  • A abordagem das questões de prevenção faz pouco sentido para as entrevistadas lésbicas porque elas não percebem riscos nas suas práticas sexuais. Além disso, o tema desperta tensões no que diz respeito ao imperativo da fidelidade conjugal e a própria afirmação de uma identidade lésbica.

  • Há um pacto de silêncio a respeito da homossexualidade: os profissionais não falam sobre este assunto por medo de invadir a privacidade ou discriminar as pacientes, ou simplesmente porque não se sentem capacitados (tecnicamente) para abordar o assunto.

  • Já as mulheres têm receio de serem tratadas com distinção e alimentam dúvidas quanto à necessidade dessa informação durante a consulta, o que as faz silenciar sobre sua orientação e práticas sexuais.
  • O Resultado disso é uma consulta impessoal, que não reconhece a diferença das mulheres lésbicas e bissexuais, com pacientes acuadas pelo medo da discriminação explícita e um silêncio de ambas as partes que afasta as mulheres lésbicas, sobretudo as mais masculinizadas dos consultórios do SUS.

  • As consultas não raro resultam em receitas de contraceptivos e indicação de uso de camisinhas masculinas, o que faz com que as mulheres, invisibilizadas, não retornem ao consultório médico.


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